Condição caracteriza-se por preocupação, medo ou tensão vivenciados de forma excessiva e constante; intervenção envolve a colaboração entre família, escola e profissionais da saúde
A ansiedade infantil é um problema crescente na sociedade do século XXI. Pela primeira vez no Brasil, os registros desse transtorno entre crianças e jovens superam os de adultos. A informação é de uma análise realizada pelo jornal Folha de S. Paulo, com base em dados da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), do Sistema Único de Saúde (SUS). O levantamento, que considerou o período de 2013 a 2023, mostrou que, a cada 100 mil crianças entre 10 e 14 anos, 125,8 convivem com ansiedade.
No cenário mundial, a situação é semelhante. Uma pesquisa feita pela Universidade de Calgary, no Canadá, publicada na revista médica JAMA Network, sugere que as questões relacionadas à depressão e à ansiedade em crianças e jovens duplicaram após a pandemia. Dos 80.879 participantes entre 4 e 17 anos, um em cada cinco apresentaram sintomas de ansiedade.
A escola e a família cumprem papeis essenciais na identificação e no tratamento do transtorno, bem como na promoção da saúde emocional na infância e adolescência. Neste artigo, vamos abordar o que é a ansiedade infantil e quais são suas classificações e sintomas. Vamos explorar também como é feito o diagnóstico, quais especialistas devem ser consultados e como tratá-la.
O que é ansiedade infantil?
A ansiedade infantil é uma condição caracterizada por sentimentos persistentes e excessivos de preocupação, medo ou tensão em crianças. O Instituto Pensi (Pesquisa e Ensino em Saúde Infantil) define o transtorno como “a experiência que as crianças e os jovens podem ter quando têm pensamentos angustiantes, preocupações ou percepções negativas sobre um evento futuro ou antecipado”.
Embora seja natural que as pessoas experimentem algum grau de ansiedade ao enfrentar novas situações ou desafios, a ansiedade infantil se torna problemática quando interfere significativamente no dia a dia da criança. Por exemplo, afetando seu bem-estar emocional, desempenho escolar e relações sociais.
A explicação evolutiva da ansiedade está ligada à resposta de “luta ou fuga”, um mecanismo biológico que prepara o corpo para enfrentar ou escapar de perigos imediatos. Quando nossos ancestrais enfrentavam predadores ou outras ameaças, a ativação dessa resposta aumentava suas chances de sobrevivência. A ansiedade impulsionava a vigilância e a prontidão física, permitindo uma reação rápida a situações perigosas.
Na sociedade moderna, na qual as ameaças imediatas à sobrevivência são menos comuns, a ansiedade pode se manifestar de forma patológica, como transtornos, impulsionados por rotinas excessivamente atribuladas, falta de vínculos sociais e incertezas sobre o futuro. O conhecimento da perspectiva evolutiva pode nos ajudar a entender a experiência da ansiedade e a desenvolver estratégias para gerenciá-la, reconhecendo seu lado positivo e papel histórico na sobrevivência humana.
Tipos de ansiedade
O transtorno de ansiedade infantil pode ter muitas causas. Desde situações que a criança vivenciou até pré-disposições genéticas. Cada tipo pode exigir intervenções diferentes, e a compreensão das nuances de cada transtorno ajuda pais, educadores e profissionais da saúde a apoiar melhor a criança.
Alguns tipos de ansiedade infantil são:
- Transtorno de Ansiedade de Separação (TAS): medo excessivo de se separar dos pais ou cuidadores, geralmente em crianças que acabaram de entrar na escola.
- Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG): preocupação excessiva e incontrolável com várias atividades e eventos do dia a dia.
- Fobia específica: medo intenso e irracional de determinados objetos ou situações, por exemplo, medo de animais, altura, sangue ou injeções.
- Transtorno de ansiedade social (fobia social): medo de situações sociais em que a criança teme ser julgada ou humilhada. Tipicamente se desenvolve durante a adolescência, mas pode começar na infância.
- Transtorno de pânico: episódios recorrentes de ataques de pânico inesperados e intensos, acompanhados de palpitações, sudorese, tremores, sensação de falta de ar ou medo de perder o controle.
- Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT): ansiedade e flashbacks após exposição a um evento traumático.
Quais são os sintomas da ansiedade infantil?
As crianças podem demonstrar a ansiedade de diferentes formas. A manifestação depende de sua personalidade, suas vivências, seu círculo social e o tipo de transtorno. Identificar a ansiedade infantil não é uma tarefa fácil, já que as crianças nem sempre conseguem expressar claramente seus sentimentos.
No entanto, existem vários sinais que podem indicar que uma criança está enfrentando essa questão. É importante ressaltar que ela não precisa apresentar todos os sintomas para que um transtorno seja caracterizado, da mesma forma que episódios eventuais de vários sintomas não indicam, necessariamente, o problema. Por isso, a importância de uma consulta com um profissional da saúde, como pediatra, psicólogo ou psiquiatra.
Segundo o Ministério da Saúde, durante a infância e a adolescência, os transtornos de ansiedade se manifestam basicamente por meio de sintomas físicos e determinados sinais, como:
- dor de cabeça;
- dor na barriga;
- dor nas pernas;
- alteração nos padrões de sono e apetite;
- angústia constante;
- medo sem justificativa;
- susto com pequenas coisas;
- desejo de permanecer perto dos responsáveis;
- falta de interesse em ir para a escola e realizar as atividades diárias, como brincar ou praticar esportes;
- preocupação excessiva e constante com a saúde.
Além desses, outros indícios são:
- irritabilidade e inquietação: raiva ou choro fácil sem uma causa aparente e dificuldade em relaxar ou permanecer calma;
- queixas de saúde: náuseas, fadiga ou outros desconfortos físicos sem causa aparente;
- dificuldade de concentração: problemas em manter a atenção ou focar nas tarefas escolares, ocasionando queda no desempenho acadêmico;
- pensamentos negativos e persistentes: ideia de que algo ruim vai acontecer ou de que não é capaz de enfrentar desafios;
- isolamento: preferência por ficar sozinha, evitando brincar ou interagir com outras crianças, e receio excessivo de ser julgada ou rejeitada.
Como é feito o diagnóstico da ansiedade em crianças?
Em primeiro lugar, é preciso que exista uma identificação dos sintomas por parte de pessoas próximas à criança, seja na escola ou em casa. Os responsáveis devem anotar a frequência e a intensidade dos sintomas, além de conversar com a criança de forma aberta e empática para entender melhor seus sentimentos e preocupações. Também é importante ensinar a criança a expressar suas emoções.
Se for identificada uma mudança de comportamento, é fundamental buscar apoio profissional. Isto é, consultar um pediatra, psicólogo ou psiquiatra infantil para uma avaliação mais detalhada e orientação sobre o tratamento adequado.
O profissional de saúde, a princípio, conversa diretamente com a criança, utilizando uma abordagem adequada à idade para entender seus sentimentos, medos e comportamentos. Os pais, cuidadores ou mesmo os professores também são questionados sobre o comportamento da criança, seu desenvolvimento, histórico de saúde e quaisquer mudanças recentes em sua vida.
É preciso descartar outras condições que podem apresentar sintomas semelhantes, como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), depressão ou transtornos de aprendizagem. Porém, a ansiedade também pode coexistir nesses quadros.
Após a avaliação, o especialista fornece um feedback detalhado aos pais sobre o diagnóstico e recomendações de tratamento. O processo pode incluir terapia, intervenções familiares, técnicas de manejo de ansiedade e, em alguns casos, medicação.
Qual especialista procurar para tratar a ansiedade infantil?
Buscar a ajuda de especialistas qualificados é fundamental para garantir que a criança receba o apoio adequado. É importante que a criança e a família se sintam confortáveis e confiem no profissional escolhido. As qualificações e a experiência do profissional, bem como sua abordagem terapêutica, sempre devem ser verificadas.
O pediatra, muitas vezes, é o primeiro ponto de contato para questões de saúde infantil. Esse profissional pode realizar uma avaliação inicial e encaminhar para especialistas em saúde mental, se necessário. Ele também pode descartar outras condições médicas que podem contribuir para os sintomas de ansiedade.
Já o psicólogo infantil é especializado no desenvolvimento emocional e comportamental de crianças. São realizadas avaliações detalhadas e terapias para ajudar a criança a desenvolver habilidades de enfrentamento e gerenciar a ansiedade. Os terapeutas também trabalham com os pais e cuidadores para criar estratégias de apoio em casa.
O psiquiatra infantil, por sua vez, é um médico especializado em saúde mental infantil e adolescente. Ele pode diagnosticar transtornos de ansiedade e eventualmente prescrever medicamentos para ajudar a controlar os sintomas.
Conselheiros escolares ou psicopedagogos trabalham dentro do ambiente escolar para apoiar o desenvolvimento socioemocional e acadêmico das crianças. Eles podem identificar sinais de ansiedade, fornecer apoio e trabalhar com professores e pais para ajudar a criança na escola.
Como tratar a ansiedade infantil?
O tratamento da ansiedade infantil deve ser personalizado para atender às necessidades específicas da criança e envolve a colaboração entre a criança, a família, a escola e os profissionais de saúde. Com o apoio adequado, muitas crianças aprendem a gerenciar sua ansiedade e a desenvolver habilidades para enfrentar desafios futuros de maneira saudável.
De acordo com o Guia de Sintomas e Doenças do Hospital Israelita Albert Einstein, há três tipos principais de tratamento para os transtornos de ansiedade (nos adultos): medicamentos (sempre com acompanhamento e indicação médica), psicoterapia com psicólogo ou médico psiquiatra e a combinação dos dois tratamentos (medicamentos e psicoterapia).
No caso das crianças, na psicoterapia, deve ser escolhida uma abordagem terapêutica compatível com as vivências e princípios da criança e da família. Entre elas, estão a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), que ajuda a criança a identificar e modificar pensamentos e comportamentos negativos, e a Terapia Familiar, que envolve toda a família no processo terapêutico. Eventuais medicações são usadas como complemento à psicoterapia e monitoradas de perto para controlar efeitos colaterais.
O suporte familiar e escolar envolve um ambiente de acolhimento e compreensão, garantindo que a criança receba o apoio necessário. Algumas técnicas de relaxamento podem ser usadas para reduzir a tensão física e emocional, como respiração profunda e meditação.
O uso da arte e da música podem ser eficazes em ajudar a criança a expressar e gerenciar emoções de uma maneira não verbal. Já a atividade física regular ajuda a reduzir a ansiedade ao produzir endorfinas e proporcionar uma forma saudável de liberar a energia acumulada.
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